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Cuiabá , MT - -


Título antecipado do Operário

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   Data: 13/03/2016 - Por: Nelson Severino

 Profundo conhecedor do submundo da bola, em função de sua larga experiência vivida no futebol em outras regiões do Brasil, inclusive como árbitro profissional, Mister Y foi chamado à Federação Mato­-grossense de Futebol em 1983 para discutir com Mister W, um dos muitos chefões da entidade – não era o então presidente da FMF, João da Silva Torres – um assunto mantido sob o mais absoluto segredo até o primeiro contato entre ambos numa sala trancada a sete chaves.

O dirigente federacionista rasgou logo o verbo: “Faz dez anos que o Operário não conquista um título estadual e tem que ganhar o deste ano...” – disse o chefão a Mister Y em tom de voz que soou como uma ordem.

– A letra deste samba eu já conheço. Só preciso saber o tom para eu cantar... – disse Mister Y a Mister W.

Deixando claro que as cartas do baralho já estavam marcadas, o mentor da entidade disse a Mister Y para ir procurar urgentemente Mister K em Várzea Grande para definição de outros pormenores sobre a questão que estavam começando a tratar.

Mister Y impôs de cara uma condição: a substituição do diretor do Departamento de Árbitros por uma pessoa de sua mais absoluta confiança que ia exercer o cargo de mentirinha, porque na realidade quem escalaria os juízes e bandeirinhas, de acordo com as conveniências para o Operário ganhar o título, era ele.

– Já tenho até o nome. O homem não quer nada, apenas ser promo­vido de capitão a major da Polícia Militar no final do ano – disse Mister Y.

– Isso é o de menos, a gente acerta ligeirinho com o governador Júlio Campos – garantiu Mister W.

No outro dia, Mister Y entrou no escritório de Míster K com cinco árbitros, que ele havia escolhido a dedo para fazer do Operário campeão. E foi logo dizendo ao dirigente operariano que o título teria um custo: o correspon­dente a R$ 600 mil de hoje. Sem sacanagem...

Não houve qualquer restrição por parte de Mister K com relação ao valor fixado por Mister Y para o Operário garantir, por antecipação, a conquis­ta do campeonato.

Ficou combinado verbalmente, com o testemunho dos cinco juízes, que toda sexta-feira à tarde Mister Y ia buscar o dinheiro no escritório de Mister K para distribuir entre a moçada no final de semana. Com o dinheiro na mão era mais fácil manobrar a rapaziada para arranjar resultados que inte­ressavam ao tricolor várzea-grandense.

Começou o campeonato. Mixto e Dom Bosco, disparadamente os dois melhores times do certame, passaram a ter problemas com os árbitros, enquanto o Operário, de uma forma ou de outra, era sempre favorecido. A estratégia para beneficiar o tricolor estava dando certo.

Mas teve uma semana em que o Operário roeu a corda e não pagou a parcela combinada na sexta-feira e nem deu satisfação a Mister Y. No domingo o tricolor foi jogar no interior e perdeu a partida, com gol de um pênalti absur­do nos últimos segundos, além de ter tido o seu principal jogador expulso de campo no início do primeiro tempo...

O Operário entendeu direitinho o recado. Na segunda-feira cedinho, Míster Y recebeu um recado para ir ao escritório de Mister K buscar o dinheiro da semana anterior e da passada também...

É claro que o Operário foi o campeão, decidindo o título contra o Mixto numa “melhor de 4 pontos”. No primeiro jogo, o tricolor ganhou de 4x0, vencendo também a segunda partida, realizada dia 27/11/1983, por 1x0, gol do quarto-zagueiro Panzariello.

O Operário jogou com Mão de Onça; Caruso, Laércio, Panzariello e Juarez; Udelson, Mosca (Dito Siqueira) e Adalberto; Manfrini (Frank), Bife e Ivanildo. O técnico era Nivaldo Santana. O Mixto formou com Helton; Luiz Carlos Beleza, Arildo Verdun, Tucho e Eurípedes; Serrano, Rubens e Ademar; Gonçalves, Eduardo e Nelo. Técnico, Serginho Basso. Apitou a decisão o árbi­tro carioca Roberto Coelho.

Mister Y sabia que naqueles tempos eram muito comum apostas altíssimas entre dirigentes dos principais clubes do futebol mato-grossense em jogos importantes.

As grandes somas que rolavam nas apostas nessas ocasiões muitas vezes levavam os apostadores a procurar juízes e bandeirinhas, oferecendo­-lhes muito dinheiro para “fabricarem” resultados que lhes convinham. Mister Y, por exemplo, ganhou num único jogo que apitou pelo Campeonato Mato­-grossense de Futebol o correspondente a R$ 50 mil em troca de um resultado.

Conhecendo como conhecia Lino Miranda, um respeitado articula­dor nos bastidores do futebol, Mister Y ligou para o presidente mixtense para lhe dar um conselho: não jogar dinheiro fora com juiz e bandeirinhas naquela decisão, porque o título já estava decidido em favor do Operário...

Curiosamente, Lino Miranda, uma língua ferina quando se tratava de defender o Mixto, não abriu a boca sobre o telefonema que recebeu de Mis­ter Y, nem antes, nem depois do jogo...

Muito tempo depois, Mister Y contou ao ex-presidente João da Silva Torres, nos mínimos detalhes, o esquema que foi montado na FMF para o Operário ser campeão daquele ano.

– Eu andava desconfiado mesmo – foi o comentário de Torres.

(Reproduzida do livro  Casos de todos os tempos  Folclore do futebol de Mato Grosso,  do jornalista e professor de Educação Física Nelson de Severino)